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Pesquisas

Ocupação, invasão e deslocamento no espaço urbano em intervenções do ERRO Grupo.

Artigo de Luana Raiter e Pedro Diniz Bennaton publicado no livro “A interatividade, o controle da cena e o público como agente compositor”, apresentação e organização Margie / Margarida Gandara Rauen – EDUFBA – Salvador, 2009.

Ocupação, invasão e deslocamento no espaço urbano em intervenções do ERRO Grupo.

Por Luana Raiter e Pedro Diniz Bennaton

Este artigo tem como foco principal os procedimentos estratégicos de invasão, ocupação e deslocamento, utilizados em algumas intervenções de teatro de rua do ERRO Grupo, provocando interações com o público. Através de relatos do grupo de algumas participações do público nas peças: Carga Viva (2002), Desvio (2006) e Enfim um Líder (2007), considerando as teorias de Richard Schechner (1976, 1988, 1994, 1995, 2001) e as experiências situacionistas no espaço urbano, esta análise contribui para a compreensão de procedimentos de ação urbana e dos processos criativos do ERRO.

As pesquisas realizadas pelos situacionistas  podem constituir uma diversidade de procedimentos estratégicos de ação urbana e de interação com o público devido aos seus constantes exercícios de crítica e autocrítica em relação às sensações e relações construídas por suas situações e suas experiências. Entre os diversos procedimentos de atuação do situacionismo parece apropriado destacar a demanda por uma nova cartografia de ambientes para sua utilização imediata, assemelhando-se aos conceitos propostos por Richard Schechner, teórico da performance da New York University, para construir situações em espaços urbanos, espécies de deslocamentos sob forma de encontros entre as pessoas.

Em razão de seus procedimentos estratégicos de ação, como a interferência mútua entre dois ambientes de experiência, por gestos e palavras que adquirem outros significados, pela criação de linguagens secretas, com senhas, pela inclinação ao jogo, pela união de expressões independentes, à deriva e a psicogeografia, os situacionistas transformam as relações e criam elementos transviados, justapostos e livres, que constroem uma esfera dinâmica no cotidiano do espaço urbano. Portanto, quando constroem situações, ou quando propõem estratégias para a criação dessas, os situacionistas abrem uma gama de possibilidades para modificar as condições determinantes dos fluxos urbanos e criar ambientações em plena rua, assim como propõe o Environmental Theater, de Schechner (1994).

Os situacionistas clamam por procedimentos estratégicos em constante movimento entre a experimentação e a práxis que possam abranger a grande variedade de possíveis áreas de manifestações no espaço urbano, demonstrando que a arte situacionista em si não existe, mas, sim, uma aproximação situacionista, ou seja, estratégias situacionistas de se lidar com a arte. Schechner (1976, p. 197) ressalta que o potencial das performances urbanas permite “que as pessoas se encontrem nas ruas” para “flertar com a possibilidade da improvisação – que o inesperado possa acontecer”.

Os situacionistas em seu Plano para melhorias racionais da cidade de Paris, de outubro de 1955, por exemplo, propunham, quanto ao uso do espaço urbano, que os metrôs fossem abertos pela noite, assim que os trens parassem de rodar, que as vias fossem pouco iluminadas, ou que suas luzes piscassem e que as lajes dos prédios da cidade fossem abertas para que as pessoas pudessem subir através das escadas de incêndio. Propunham quanto ao uso dos espaços arquitetônicos e institucionais que as praças fossem escuras, que todos os postes de luz tivessem interruptores para serem desligados, que as igrejas fossem demolidas (proposta de Debord), que fossem extirpadas de seus conteúdos religiosos (ideia de Gil J. Wolman) ou que fossem tratadas como construções ordinárias onde crianças poderiam brincar ali dentro. Que os museus fossem extinguidos e suas obras-primas distribuídas em bares da cidade, que todos tivessem livre acesso às prisões, que todos os monumentos e estátuas tivessem suas inscrições trocadas e depois fossem removidos, e que as ruas tivessem seus nomes históricos trocados. Essas proposições demonstram uma clara intenção de transformar a cidade. Em texto do mesmo ano, Introdução a uma crítica da geografia urbana, afirmam que “a troca repentina de ambientes em uma mesma rua na distância de alguns metros” deve ser a lógica dos passeios sem razão para a experiência de uma série de ambientações, “a partir de condições de vivência”, a partir da Deriva. Hakim Bey, expoente contemporâneo das ideias situacionistas, e autor de TAZ – Zona autônoma temporária (2001) e Caos: Terrorismo poético e outros crimes exemplares (2003) que elabora práticas estratégicas para uma transformação da sociedade atual, afirma que a Deriva foi concebida para revolucionar o cotidiano. Suas ações para a realização da Deriva seriam uma espécie de perambular ao acaso pelas ruas de uma cidade, como “um nomadismo urbano visionário”, a experimentar “a intensidade da percepção”. O praticante da deriva deveria aceitar as imprevisibilidades, deslocando-se para sinais, coincidências ou escolhas aleatórias que possam guiá-lo ao rumar de lugar a lugar, consciente “do itinerário como significado” e simbologia.

Ao propor uma invasão no espaço com o uso do deslocamento através de outros espaços, o potencial do inesperado, do improvável acontecer fica mais latente. A transformação eminente pela movimentação, ocupação e abrangência da ação em diferentes níveis de interação com o público, evidenciam que o acaso é inerente à intervenção urbana. Esta deve articular o presente em suas estratégias para ir além na comunicação com as pessoas, na ruptura do cotidiano, para construir vínculos de aproximação entre a ação urbana e a rede social e espacial da cidade.

Os trabalhos do ERRO Grupo  possuem rastros das práticas situacionistas e das teorias de Schechner (1976, 1988, 1994, 1995, 2001). Integram o repertório do grupo seis espetáculos de rua, Adelaide Fontana (2001), Carga Viva (2002), Buzkashi (2004), Desvio (2006) e Enfim um Líder (2007), assim como diversas performances e intervenções urbanas. Sobre os procedimentos estratégicos de invasão, de ocupação e de deslocamento que o grupo pesquisa, transcorreremos com foco na relação com o público suas operações em três destes espetáculos: Carga Viva , Desvio  e Enfim Um Líder …

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