Categorias

Pesquisas - Projetos

2012

Quadra. Perder pressupõe o fracasso em algo. E o cúmulo de nosso pavor em perder, nos faz fantasiar que não perderemos sozinhos, que perderemos todos juntos.

Perder é o ato que se tenta evitar, mas é na perda que estão os maiores ganhos do capital.

História Falsa

O passado é ato de ter perdido. O arquivo, o levantamento de dados é uma investigação que pressupõe algo que se perdeu, algo que não foi presenciado. Vivemos em uma sociedade de dados e o armazenamento de dados é parte crucial das estratégias do mercado.

Roleta. Quadra. Perdem-se informações. Ganham-se dados.

O mercado financeiro atual gira em torno do fracasso, da perda. Tenta-se evitar ao máximo os riscos e os danos causados pelas apostas originadas em nossa ganância pelo acúmulo, mas só existe ganho de alguns na perda de vários. O mercado registra as perdas e são elas que produzem os seus exaltados e espetaculares ganhos.

Há crise, e ainda há consumo.

Estamos em um jogo de azar, mas aqui o azar não está ligado ao acaso e ao ato de perder, pois o mercado controla o azar para reduzir o acaso, focando as perdas para aumentar os ganhos. No interior dessa lógica se estabelece um jogo de senhas, de derrota, de abstração, que fazem com que as regras nunca se tornem sólidas e estáveis.

O mercado nos despista. Cria trilhas e labirintos para que o percamos de vista.

Criamos túneis, constantemente, para nos dar segurança, contudo, as saídas estão repletas de barreiras e pequenos jogos. Criamos um mundo à parte onde a saída se obstrui pela nossa ânsia de segurança. Tais trilhas são traçadas dentro de um espaço onde acreditamos ser um espaço seguro, um espaço livre, mas que se circunscreve no interior de uma área de controle totalitário.

Ganhar é o que se busca. Ganhar é o presente pretérito perfeito. O futuro seguro. É ser. É a possibilidade de ainda se fazer, adquirir, transformar. Tudo que queremos é ganhar. As leis do mercado incitam: ganhe mais. Você será. O futuro está aí para quem quiser dominá-lo. Credite. Parcele. Planeje. Sonhe. Economize. Vá mais longe. Ultrapasse.

Quem sonhou, quem creditou, quem parcelou, quem consumiu está em desvantagem em relação aos poucos que detém o poder de mudar as regras.

Tratar uma situação apenas no passado imperfeito é desmembrar o pavor, é não ter saída. É a fatalidade. É perder.

Você não pode. Você não foi. Você não planejou. Você poderia ter sonhado. Você poderia ter feito. Você não ganhou.

Você perdeu.

O passado é a condição de estagnar. O desejo não faz sentido no passado.

Evitamos pensar no que já foi. E o que já foi é o que perdemos.

Não perca nunca. Não perca a sua estabilidade, não perca seus amigos. Não perca seu dinheiro. Mas é na perda que muitos setores avançam. Perder pressupõe o fracasso em algo. E o cúmulo de nosso pavor em perder, nos faz fantasiar que não perderemos sozinhos, que perderemos todos juntos. Um amigo, um investimento, uma vizinhança, um familiar, um mundo.

Perde-se a cada segundo a possibilidade de ter-se feito alguma outra coisa.  Perder coisas que nunca se viu. Pessoas, público, cem cabeças de boi. Petróleo. Vinte sacos de ardósia.

Tudo que poderia ter sido.

Perder sua localização no contexto, no espaço. Perder a localização do mercado na sua vida. Perder a noção da perda de privacidade. Do contato. Perder a noção de prisão.

Perde-se a noção de realidade e ficção.

História falsa.

Perde-se a distinção entre história e estória.

Ao vivenciarmos a perda, e nos perdermos, faremos história e acontecimento presente.

Tentamos evitar, mas somos obrigados a dizer-lhe: “Alguma informação foi perdida nesse texto e muitas outras serão perdidas nessa peça, nessa vida.”

Texto seminal da dramaturgia por Luana Raiter e Pedro Bennaton – Dezembro de 2011